segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Foi há um ano que desistimos de nós.
Hoje continuo nesta casa vazia da minha vida e preencho o silêncio com a vida que oiço escorrer à minha volta. Quando estou mais sozinho encosto-me devagarinho às paredes, fecho os olhos e deixo inundar-me plo que dantes nunca existiu e agora me mantem vivo.
Durmo todo o dia. Por volta do fim de tarde, eles finalmente chegam e eu roubo-lhes a vida.
Da cozinha consigo ouvi-la arrepiar-se quando ele vai agarrar-lhe a cintura de surpresa. Consigo percebê-los lentamente a trocar saliva por todo o corpo, a trocarem gemidos de amor e de prazer, mesmo aqui ao meu lado, do outro lado. Sinto eu também o prazer, dentro das minhas calças e por todo o meu corpo que vibra a cada sussuro com um amor que não é meu.
À hora do jornal, que era a do nosso jantar, deito-me de costas no chão da sala vazia de ti. Os velhos lá em baixo gritam-se muito, parecem gastos, cansados um do outro. Tudo são desculpas para reclamar do que passa a televisão, do jantar que comem, da bengala que usam, da cara que já não reconhecem. Os netos e os filhos que às vezes vêm, não fazem ideia que dormem de mãos dadas há mais de 50 anos, todas as noites. Não sabem que ela pinta o cabelo para que ele não se sinta envelhecer. Não sabem que ele usa bengala para que ela o segure sempre, quando parece desequilibrar-se.
Na casa-de-banho, oiço os miudos a brincar no banho antes de dormir. A mãe finge todos os dias que lhes rouba o nariz, consegue enganá-los uma eternidade, entre gargalhadas. Eu choro deste lado por já não serem os nossos filhos nem a tua cintura que os embala a protegê-los sempre do mundo inteiro.
Muito mais tarde há ainda um casal que finalmente se encontra e eu vejo-os perfeitamente da nossa varanda. Passam o dia a preparar aquele momento, a embrulhar o amor devagarinho para soltá-lo assim que se virem logo à noite. mas porque hoje é mais tarde, faz mais frio ou se tem mais sono, o beijo que trocam já não é da saudade desesperada que levaram todo o dia a conter. É de quem está cansado, de quem precisa muito de receber mais mas já não tem o que dar. É de quem ama, mas só consegue gritar, chorar, magoar, porque sente que o amor nunca chega para tudo.
E é aí que eu nos vejo meu amor.
É na nossa varanda que espero pelo dia e desejo que o peso da noite esmague a falta que me fazes.

Sem comentários:

Enviar um comentário