quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Hit the road Jack

e deixa-te de cenas.


terça-feira, 27 de setembro de 2011

Enurese

- Irrita-me imenso que as pessoas desatem a distribuir rótulos por dá cá aquela palha sem se atreverem a pensar no peso que isso pode ter sobre a vida da pessoa ostracizada. Bem sei que por vezes eu próprio sou um pouco duro em juízos, talvez até um pouco quadrado, mas seria incapaz de afastar definitivamente alguém apenas por uma pequena falha. Não concordas?
- Acho que sim...
- Não posso aceitar, acho mesmo muito injusto, só porque um tipo às vezes se descuida enquanto dorme, repara que é em estado de inconsciência!, e até há um nome para isso, é uma doença dos dias que correm... Acho um absurdo ser apelidado de mijão durante anos a fio. Como pode um indivíduo assim andar na sua vida de cabeça erguida?
- Não sei bem...
- An? Mas não sabes o quê? Que idade é que tu tens?
- Eu tenho seis e tu?
- Ah... Vi logo, eu tenho oito e três meses. Putos.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Deste lado do espelho enquanto me aborreço com o fim de tantas outras histórias de amor que já não são a minha

Disse-te um dia que destruiria o meu mundo todo por ti. Depois de agarrar o meu corpo todo, disseste-me que o destruiríamos juntos porque ele nos pertencia.
Olha agora o que temos.
Temo-nos um ao outro, dirias. Ingénuo.
Não só não temos como nos perdemos a nós próprios por entre a vida.
É como se fôssemos velhos já, secos, moles e vazios apesar de cheios de merda.
É só a vida, é mesmo assim, insistes.
Ia jurar que tinha morrido de amor, mas hoje sei que estou a definhar de indiferença.
Esta sensação de estar sempre quase a dormir, de ter o mundo a enrolar-se em mim e não sentir nada, nunca aquecer. Já nem sei onde está o meu próprio corpo.
Olha antes ter um gato, a porra de um gato que me arranhe todos os dias até ao sangue ou às lágrimas para ter a certeza de que ainda estou viva.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Do-lo-res

I. É uma pequena diva. Adora que gostem de si e ainda gosta mais se não gostam.
Às vezes dou por mim enternecido a olhá-la enquanto corre de um lado para o outro, como se saltasse de flor em flor. Apanha-me em flagrante e solta um risinho. Sabe perfeitamente que estou a olhar para cada parte do seu corpo, mesmo assim finge corar, como uma virgenzinha envergonhada.
Já a apanhei a espreitar-me à noite. Eu finjo que estou a dormir e ela vai pé ante pé, personagem posta, criando todo um filme mudo entre os nossos corpos. Não sei se ela sabe que a vejo. Acho que sabe e que gosta. E aí sim, sei-a a corar, mesmo às escuras.


II. Não me atrevo a tocar-lhe.
Não me atrevo sequer a abrir os olhos, não vá o pudor levá-la daqui.
Mas ela vai-se sempre. Demora apenas o tempo suficiente para que o cheiro de menina-mulher se agarre às minhas roupas e aos meus sonhos brancos.
Ela sabe que me deve respeito e eu muitas vezes aproveito-me disso para a espicaçar. Chateio-a por incorrecções sociais ou gramaticais, mostro-lhe que ainda não é uma senhora. Divirto-me depois a ver a sua aflição enquanto faz por travar o beicinho infantil, sabe que não há o que discutir quando o único argumento é a autoridade. Sei que me vai odiar durante uns dias mas a sua impertinência e o nariz arrebitado fazem-na abanar o vestido como se já tivesse crescido.
Eu não quero que ela cresça e não a quero para mim.
Quero que fique para sempre entre a inocência e o ser, com a liberdade que só têm os alienados e quem ainda mal começou a viver.
Pergunto-me se ela já sabe que o desejo tem outro nome: pecado.

Inventando-te

É enquanto dormes que te escrevo o que já não sei sentir.
Há dias, talvez semanas, que o teu corpo dorme sobre o meu, à volta do meu e que eu sei que já é só o teu corpo.
Já não sei o que é o teu peso. O peso de ti.
É enquanto dormes que fico para aqui a abraçar em mim os teus beijos frios e a embalar os teus sonhos.
Talvez sejam os meus sonhos que adormeço.
Podia deixar-te a dormir durante muito tempo.
Há quanto estamos fechados neste quarto?
Ficaria a olhar para ti, a gostar de ti.
Até conseguir olhar para mim e gostar de mim.
Vou deixar-te esta manhã.
Antes ir vivendo
do que morrer todos os dias a esquecer-te.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Agora, é escrevê-lo

Se me deixasses, era capaz de escrever um livro inteiro.
A felicidade e o amor nunca emprenharam ninguém de boas ideias.
Repara na solidão ou no desgosto de amor, são poemas quase por si só.
Mas tu sorris-me e abraças-me e não me deixas cair.
Salvaste-me até de mim, o que era demasiado triste.
Se ao menos me destruisses de novo, saísses pla porta e a batesses como no teatro.
Talvez aí. Talvez aí pudesse escrever o que quer que fosse.
Agora ser feliz, o que é que eu faço com isto?
Se me deixasses, era capaz de escrever um livro inteiro.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Entre a noite e o ser
um corpo
um copo sempre cheio
sempre vazio.

Filmes mudos
e o mundo a desequilibrar-se.
Filmes mudos.
A cada trago sinto-me maior
e sou tão mais pequena.

Hoje quero não-ser até de manhã.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

por encomenda

Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Estava há mais de uma hora no banco da igreja a tentar concentrar-me em quem morria, chorar por ele. Mas só o meu corpo tentava enganá-los. Dentro da cabeça um cão a morder-me o cérebro. Não consigo largar tudo o que foi deixado pra viver. Não é justo, este lado. Com os olhos raiados e a cabeça a sangrar, saio aos tropeções. As lajes frias, os olhos velhos de censura agarram-me a roupa, descalçam-me os pés. Sou só um farrapo sem sombra quando chego ao sol. De dentro, ainda um grito tenta levar-me pelos cabelos mas fujo, corro pra dentro de árvores de betão, rato que sou, que sempre fui, só paro na noite. Enrosco-me nela. Quando consigo mexer-me sei que é já outro dia. Dou-me ao sol mais uma vez, peço que me leve, mas este peso de morte não me deixa descolar do chão. Arrasto-me por entre rostos inexistentes cheios de vidas que passam só por passar, que já nem cansam de tão entranhadas que estão nas papadas debaixo do queixo, em olheiras cheias de olhos, em pernas que conduzem troncos amorfos entre cada toque do despertador. É num desses corpos que esbarro, que me arranca a mim. Uns minutos, a eternidade. Pela altura do nariz e a posição dos ombros e do chapéu, este acha que é livre. Sorrio-lhe. Cá dentro, gritos de desespero que já não seguro.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Gritos de desespero que já não seguro.
Se tivesse super-poderes matava todas as pessoas demasiado burras, dizia o meu irmãozinho antes de ser morto pela estupidez humana.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Quando olho para a cara à minha frente já só o vejo a ele, frio, quieto, sozinho para sempre. Já não és tu.

Rebento-lhe os miolos e não sei qual de nós morreu primeiro.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Algo mudou entre o dormir e o acordar que nos tornou diferentes. Desenhou-nos um olhar de estranhos, quase um desdém de não perceber porque estamos aqui. Trocam-se beijos frios a fingir calor, as mãos vão tocando e apertando cada parte do corpo que já não nos pertence. Olhamos cada sinal, cada bocadinho de pele à procura de algo que nos traga de volta. Evitamos os olhos, com medo de nos perdermos para sempre. O arrepio da paixão é nesta manhã um suor que tentamos esconder.
Adeus, dizemos, e quando viramos as costas mordemos as lágrimas secas.
Rezamos para que à noite voltemos a conhecer-nos.