quinta-feira, 18 de junho de 2015

Hoje devia haver fogo-de-artifício por toda a parte.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

todo o dia passado
a dar a minha pele nua
às tuas mãos
à tua boca.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Quero viver a vida toda duma vez
engoli-la de um trago
para que nada se perca

Mas o medo do fim

Então é guardar
ir largando grãos
escondendo a loucura
a vertigem
de querer já tudo

Mas a falta que me faz explodir a todo o tempo

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Queria dizer-te que.

No meu egoísmo infantil voltei
a perder
a.

Queria dizer-te que.

Não tenho tempo
e aflige-me que todo o que tenho
se desperdice
em bocados de nada
daquelas vidas dos outros
a que tentamos fugir
que nos enredam
ainda assim
mesmo que nós.

Queria dizer-te
que nunca penso
em largar-te a mão
mesmo quando me afasto
ligeiramente
é para te sentir
buscar-me
sei
que ser feliz
é isto.

Queria dizer-te
que o amor
mas tocas-me
e
sei
é isto.

domingo, 3 de agosto de 2014

Dizer-te com beijos
o amor
que sem medos
sai dos nossos corpos
nunca
da nossa boca
que o diz
em silêncio

sexta-feira, 18 de julho de 2014

ir contigo pelo mundo
e não voltar nunca
a
mim

quinta-feira, 10 de julho de 2014

encontrei o amor
mesmo ao lado da minha almofada
virei-me para o outro lado
escondi-me
escondi-te
não sabia que ainda era tempo
o futuro apenas um tapete a desenrolar-se aos meus pés
eu só a ver
e eis que
tu
e tudo começa

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Quanto tempo pode durar uma paixão
se a vida toda parece não chegar
o medo de se apagar
não querer largar
o

vazio

que

de
      sa
 
  pa

              re
ce

Quanto tempo pode durar?

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Não gostes de mim esta noite

Enquanto me dispo
e me desfaço
enquanto sou

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Depois de ti
só corpos.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Sinto o teu peso debaixo do meu corpo
(numa inversão da física que também me traz o teu cheiro sem estares aqui)
a tua mão pelos meus cabelos
na minha cara
é como se o tempo não tivesse passado.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Hoje não quero dormir sozinha

Vem ter comigo, vem.
Traz as flores do caminho
Entra devagarinho
Agarra-me p'la cintura, de mansinho.

Eu vou fingir que não espero por ti
Eu vou fingir que estava bem assim
Vou abraçar-te até seres parte de mim.

Vem sussurrar-me o gosto de ti
Que eu vou sorrir, meio a dormir
E vai ser só simples, amor, sim.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A meio da noite veste-se, baton, cabelo e botas novas.
Olha-se ao espelho com a pressa de quem não quer desistir e sai noite fora à procura da única coisa que tem: o desconhecido.
Decide ir até ao aeroporto.
Lá sempre pode fingir fazer parte das pessoas, fingir que espera, que é esperada.
Sorri de longe. Mantém o ânimo para o avião que se atrasa ou o terminal enganado ou será que ele não me viu?
Ninguém.
A vida é isto.
Isto e a lembrança de tudo o que já foi, a aumentar o vazio.
Não resta nada.
Nem a vontade.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

"Apetece-me chamar por todos os amigos que deixei no meu país, pedir-lhes que me venham salvar. Da minha insegurança que me vejo obrigada a vencer sozinha. Acabar o próximo ano aqui, gozar o esforço de ler, de pensar, sempre perseguida pelo tiquetaque escarninho: Uma Vida que Passa. A minha Vida.
É verdade. E eu desperdiço a minha juventude e os meus dias de sol num terreno estéril."

"E amanhã, o quê? Sempre a remendar a máscara, a arranjar desculpas para só ter lido metade do que me propus ler. E a vida vai passando!"

"Por agora, no entanto, o que tenho para dar? Nada. Sou egoísta, timorata, demasiado choramingas para conseguir guardar-me para a minha escrita fantasma."

"... que diabo vem a ser a tragédia? A tragédia sou eu."

Sylvia Plath, Zé Susto e a bíblia dos sonhos.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Quase nunca compensa.
E mesmo assim todas as noites vendemos o tempo, o dinheiro, a alma.
Demasiado barato.
Demasiado irrecuperavelmente.
Nestes dias tenho medo de morrer.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Não gosto de estar a caminho.
Gosto de chegar. De começar ou de acabar.
Não, de acabar não gosto.

terça-feira, 17 de julho de 2012

The beautiful people


Ela tem pena de si própria e por isso decide atirar-se ao rio.
Ela odeia-se por ter pensado nisso e por isso tem pena de si própria.
Ela está sem saída porque faça o que fizer terá sempre que voltar.
A si.


Ele não gostava de olhar-se ao espelho num corpo que não poderia manter.
Ele desatou o corpete devagar enquanto sorvia tudo o que cabe num gargalo.
Ele decidiu engolir o próprio vómito quando já não o podia conter.
Porque um homem não chora.


Ela achou que ser bonita era uma maldição que a impedia de pensar.
Ou de parecer pensar.
Ela caiu de olhos fechados numa lareira para se sentir mais inteligente.


Ele pensou que bater-lhe e virar costas era a melhor maneira de esconder o que sentia.
Ele pensou que ela finalmente o deixaria por isso e não teria de voltar a magoá-la de nenhuma maneira.
Ele chegou e ela estava à sua espera de lágrimas secas.


Ela jurou nunca mais sentir-se presa numa vida que não era a sua.
Ela apanhou o comboio sem mochila e nunca sequer olhou para trás.

quinta-feira, 12 de julho de 2012


Tenho uma vontade de chorar a morder-me os calcanhares há coisa de uma semana.
Começa a atrapalhar-me a vida porque onde eu atravesso, tropeça ela.
Aí vem-me de surpresa aquele aperto à garganta que não sei depois distinguir entre vómito ou soluço dramático, mas que em qualquer dos casos me deixa com cara de parva.
E a vida, que não pára, olha-me de sobrolho esquerdo levantado como se eu não tivesse o direito de parar o jogo por um bocado-tempo, de fazer pausa nas cláusulas que estipulámos ao nascer aquando do primeiro berro.
Se ao menos agora pudesse só berrar.

well thanks bitch, now i'm able to write again

domingo, 15 de abril de 2012

Entre Irmãos

ou contos eróticos entre anormais

A cara de um era quase o espelho do outro.
Um espelho diferente em género apenas.
Quando se tocaram tremeram de vergonha como só os corpos virgens tremem.
Coraram como as crianças que deixariam de ser.
Suavemente começaram a percorrer o trilho de pelos que se eriçavam à passagem do que pensavam chamar-se amor.
Nunca se olharam nos olhos enquanto conheciam o corpo que agora lhes pertencia.
Seria como olhar para dentro.
Conheceram-se com dedos ansiosos e lábios entreabertos de prazer de crianças.
De repente algo estranho aconteceu no corpo dele que o fez esconder-se no peito dela.
Ela acalmou-o, é como nos filmes, disse.
E ele preencheu todo o seu corpo como se o tivesse feito desde sempre.
Gemeram e sussurraram como se tivessem alguma vez tido um segredo.
Horas depois de adormecerem de mãos dadas, ela soube que nunca mais seria uma só.
Gémeos, disse-lhe ao ouvido.
Ele sorriu e fechou-se sobre o umbigo dela.
Era natural, já os seus pais o tinham feito.


sábado, 14 de abril de 2012

Já gastei as palavras.
Acusas-me de um silêncio que eu nunca fui capaz de descobrir entre nós.
Nem de noite, quando a casa dorme e de olhos fechados procuro os teus pés.
Adoro que saibas, sabes?
Ultrapassámos o silêncio quando escrevemos amor pelas paredes e nos espelhos.
Fala comigo, pedes-me.
Mas porque hei-de falar se sabes o meu corpo de cor, o meu cheiro?
Porque hei-de falar se em cada beijo sabemos tudo?
- Porque preciso, foda-se.
Já gastei as palavras, meu amor.

Quem tem medo de Virgina Woolf?

Doía-lhe já o braço de tanto usar o chicote.
Se a mão lhe pesava tantas vezes em forma de palavras, humilhação e ridicularização, era a sua frustração que tentava embalar.
Batia-lhe.
E quanto menos ele se queixava, mais o cheiro a ódio a enlouquecia até salivar.
Curvava-o.
E o sangue que lhe via escorrer, era na sua pele que ardia.
O amor já só se chorava em olhos embaciados por uma velhice de hábitos e gin.
Tantas vezes as grandes cenas da vida são passadas dentro de caixinhas pequeninas, que só por vezes se vêem.
Porque é que não parava de o maltratar?
Porque ele era o único capaz de aguentar.
Sempre o amou.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vidros Partidos

Era velho. Cansado, indiferente.
Quando lhe bateu nem sentiu mais que isto.
Sentiu as rugas que lhe pesavam na testa,
o suor que já era doce de escorrer só por escorrer.
Sentiu a sede e que devia ter snifado mais uma.
A culpa.
A culpa era fria e dava-lhe mais para bater em si do que nela.
Antes disso, voltou-se para a sua idade e para os velhos dela.
Mais um golo e o arrepio,
aquela sede que já nem ela podia acarinhar.
Solidão.
Por isso lhe bateu até doer,
até sangrar,
até deixar de respirar.
Até lhe arrancar a pele por ser a dele que doía.
O vento!
Foi só mais uma janela sem vidro e o desejo de voar.
Livre.
Afinal sentia.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O eterno marido

Os espíritos fracos, dotados apenas de uma falta de personalidade gritante, são talvez os mais insidiosos na prossecução dos seus fins e ideias.
Normalmente são fins e ideias de outros que adoptam para si até lhes esvaziarem o sentido.
E a falta de sentido, de fio condutor, é do que mais desorienta quem pensa.
O crime pode deparar-se nos seus caminhos como o instrumento ou passo seguinte na conversão dos incréus. Aqui, não há consciência que os possa absolver ou culpar porque não têm sequer sentimento de penitência racional. Este sentimento existe quando há uma sensação de superioridade moral e de carácter sobre os restantes. Aqui não.
Aqui, há talvez uma compaixão que os trava no último minuto.
É a fraqueza em modo cristão.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Runaway train

Estava bonita como só tu compreenderias.
O branco mármore da cara a desaparecer por entre cachos negros que tapavam os olhos apenas na medida certa.
Um véu que mantém entre si e o mundo. Sempre o teve.
As sardas de um Verão tardio desenhavam um caminho estelar por todo o corpo.
Sempre quase nu. Sempre completamente intransponível.
Dançava quase transparente entre a noite que é dela.
Ria entre cocktails branco-gin, branco-vodka, branco-md.
Foi dando e recebendo com o seu corpo aquilo que já não tinha para dar com o coração.
A outros corpos, sem pessoas.
Mas o olhar não o deu nunca.
O seu cheiro, ninguém o sabe.
Ao percorrer o caminho de volta à sua vida sentiu uma leveza de morte.
De vida.
Sentiu desprender-se da pele o que foi, o que não seria.
Sentiu que sem ti não valia a pena ter corpo, por mais quente que mantivesse a sua cama.
Deixou-se ir.
Foi.
Não sabe se volta.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Livre Mente

Podes tentar pensar noutra coisa, negar, rir-te disso, mas se a ideia já te passou na cabeça, então ficou lá.
E não há nada que a possa de lá tirar.
A culpa junta-se-lhe e moi moi moi.
Moi-te de mansinho.
Vai levar-te a fazer coisas disparatadas em relação a ti e aos outros.
Normalmente, atitudes como ir visitar a família, fazer exercício físico e comer mais saudavelmente são bons bálsamos nos primeiros dias.
Depois passas a odiar-te por teres feito tudo pelas razões erradas e começa tudo de novo.
É simples.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Átila?

A sensibilidade está na cabeça, não está no coração.
As lágrimas estão na cabeça, até o Diderot já tinha descoberto isso.
Vocês são uma cambada de autistas. Estou rodeado de autistas.
E grita e abana o mundo todo à sua volta com a fúria de quem ainda caça cachalotes num barquinho-quase-noz.
Apaixonou-se pela vida demasiado cedo, demasiado verdadeiramente.
E não a larga, por nada.
Tenta acordar-nos mas a moleza invade e domina as pessoas mais pequenas, menos vivas.
Ele não desiste nunca. De ninguém.
Tem nele o Teatro e há-de pô-lo em nós, nem que seja a bofetadas.
Só mexes um músculo que seja se sentires alguma coisa que te leve a mexer. Senão, é merda. Pívias.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Marias somos todos

Em todas as mesas, nuvens de fumo adolescente.
Juntam-se aqui porque precisam de um sítio para fumar, acho eu.
Pedem uma cerveja para cada três, juram ter já 16 anos e depois é fumar uns atrás dos outros com caretas e trejeitos próprios de quem cumpre expediente.
Quem à noite ainda tiver a roupa a cheirar a tabaco, ganha. Quem conseguir fumar Gigante, ganha. Quem aguentar o maior bafo, também.
Mas não são desafios fáceis, não se pense.
A adolescência é lixada e é nestas pequenas batalhas diárias que se estabelece o mais forte.
Não é o fumar ou não fumar. São talvez as intenções por detrás dessa decisão, se as há, porquê.
Nada disto pretende ser moralista ou condescendente.
Quem não continuar ainda hoje a conquistar momentos de segurança através de murros na mesa, que atire a primeira pedra.

domingo, 6 de novembro de 2011

Crime. E castigo?

Os pequenos grandes crimes que cometemos são absolvidos unicamente pela nossa consciência.
Se a consciência nos culpar, prender ou asfixiar, não há liberdade que nos valha.
Seremos o pior dos assassinos desde que acordamos até tentarmos dormir.
E não dormiremos e não comeremos, apenas sobreviveremos em corpo.
Por outro lado, se a consciência não pesar, não há prisão que nos faça arrepender.
Num período de 5 minutos, 5 anos ou 5 décadas, a verdadeira absolvição só a teremos quando nos perdoarmos.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Peso Borboleta

Hoje tinha morto três pessoas. Um casal e a filha.
Não sabia porquê, já não perguntava. O sentimento de justiça de que inicialmente precisava para não parar no momento errado ou para não se rebentar a si, já tinha amolecido nele. Era como uma pequena borboleta que enxotava do ombro com um simples estalar de dedos, quando dava por ela.
Não era por já não pensar neles como pessoas. Mas agora pensava sobretudo que eram o seu apartamento, o seu carro, as mamas da sua mulher, a velhice de ambos e acima de tudo o ensino especial do filho.
Mas havia dias em que o tempo passava quase a parar, como se a consciência estivesse a tentar sobreviver, e hoje tinha sido assim.
Mal entrou na sala pela janela aberta, soube que não estava ali sozinho, um homem roncava no sofá. Camisola de alças, cuecas e meias apenas. E barriga. Uma barriga imensa que conseguia demonstrar 40 anos de vida só com o seu movimento enorme e perpétuo. Acabou como tinha vivido. Inócuo. Uma pequena brisa morna e indiferente à espera do fim.
A mulher foi diferente.
Gritou, tremeu, pediu pela filha e descreveu toda a sua família, enquanto ele olhava à porta do quarto sem conseguir mexer-se ou desviar a arma. Não era arrependimento, era o tempo que teimava em quase parar. Quando finalmente fez o que fora ali fazer, notou que o corpo continuava a respirar tombado na cama. A mãe tinha escondido a filha com o seu corpo na esperança de a fazer viver.
A miúda, entre lágrimas, ranho e olhos muito abertos, não soltava um único som. Era como se todo aquele desamparo tivesse feito sempre parte da sua pequena vida. Ele puxou-a para si, pediu desculpa em silêncio e abraçou-a até ela parar de soluçar. Devagar beijou-lhe os cabelos e só quando ela lhe largou a mão conseguiu disparar.
Passou o resto da noite a sacudir e a esfregar os próprios ombros, mas nem por isso conseguiu dormir.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Uma vida inteira

Perdemo-nos entre duas estações de comboio.
Quando largámos as mãos não sei se ainda algum de nós acreditava que nos voltaríamos a ver.
Daqui a 1 ano, dissemos.
E quando me voltei não foi para não chorar mas para me impedir de ficar.
A vida.
Há sempre a vida para resolver antes de um pequeno grande amor.



Look how they shine for you

Se morreste foi porque quiseste.
Não posso nem vou culpar-me por não ter feito nada quando julguei ouvir o grito de ajuda que não deste. Talvez vá. Mas eu já controlo bastante bem as minhas psicoses para saber quando são só isso mesmo. Escolheste. Tinhas esse direito. Não sou daqueles moralistas que acha que nem da nossa própria vida podemos dispor. Podemos. Já que não a pedimos e temos de levar com ela, nada mais justo do que dispor dela. Para nosso prazer ou qualquer outro sentimento. Não sei se vais desaparecer. De mim, digo. Mas sei que a porra do vazio que decidiste impor-me vai pesar-me muito mais para além da tua cara na minha cabeça. Que fazer com isso? Estou farta de poesia deprimente, de intelectualidade deprimente, de artistas deprimentes. Quando a coisa existe, deixa logo de ser atraente. A morte, digo. A destruição. Olha a Amy.
Corpos intoxicados fazem poesia até de manhã.
Sou um deles. De entre eles.
Sou parte desta canção e desta madeira e deste cheiro.
Sou livre dentro deste espaço tão pequeno.
Deve ser por isso que as pessoas aqui se abraçam choram dançam riem vivem.
Aqui podem ser.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

sine qua non

Espero que compense.
Espero que de cada vez que dês um passo atrás, quando de frente para o abismo, não fiques a pensar no que poderia ter sido arriscar. Espero que de cada vez que penses, não te arrependas de não sentir. Espero que de cada vez que leves a vida demasiado a sério, não deixes de respirar quando vires o grande que são as coisas pequenas. Espero que quando olhares alguém nos olhos, não percas o que fica para além de ti e do teu ego e do que esperas de ti, ou podes continuar pequeno. Espero que quando deres um abraço sem peso, não te arrependas de não te ultrapassar e sentir que há outra pessoa. Em ti.
Na verdade não.
Não espero nada disto.
Espero que tenhas tomates.
Espero que te levantes para a vida porque ela não te vai poupar qualquer murro na tromba.

domingo, 23 de outubro de 2011

I-n-s-ó-n-i-a

Estou com problemas mentais. Mais. Não consigo dormir há dias e sei desde que me levantei que não vou dormir esta noite. Quando vejo no espelho os olhos raiados, sorrio, sei que ao quinto dia o cérebro desiste e o corpo ganha. Só faltam dois. Durante estes dias, pensar mata-me aos bocadinhos. O corpo levita e já não sei distinguir as notícias do que já aconteceu. As pessoas são só caras meio parvas que me fazem rir. Os cafés são copos de água. Começo a ter ideias estúpidas como o natal valer a pena se for com cobertores à lareira, apesar da família. Ou que bom bom, é prender os lençois ao longo de toda a cama. Nestes dias há sempre uma vitrine entre mim e o mundo. E ele passa. E só quando me grita eu percebo que também devo existir. Normalmente sou eu que grito, para ter a certeza que o mundo existe. A realidade é tão.
É tão plástica e cinematográfica.

disse eu

A vida é demasiado pequena para darmos tanta atenção às coisas grandes.
Ou só.
As minhas mãos deixaram de caber nas tuas mãos no dia em que deixaste de sussurrar-me arrepios ao ouvido.
É simples, é frio, é vodka nas noites brancas que já nem são mortas.
Foi escuro e vácuo, mas depois passas a poder conhecer-te de olhos fechados.
Cair nem sempre é mau, olha a Alice.

disse ele

Tenho hoje uma fome que não me larga.
Uma dessas fomes que nos come tudo por dentro até sermos só o que não podemos perder.
Hoje o que eu não posso perder és tu.
Trago-te agarrada a cada bocado do meu corpo, a cada respiração.
Se olho para as minhas mãos é nas tuas que as vejo, é no teu corpo, na falta que ele me faz, no nada com que fiquei.
Quando te vejo a ti, o teu sorriso rasga-me a pele por já não ser o meu.
Hoje tenho uma fome que não me larga.
É talvez a minha vida sem ti.


terça-feira, 4 de outubro de 2011

V.

A v. chorou baixinho hoje de manhã.
Depois de voltar ao seu controle frio disse-me que ia sair de casa porque já não gostava de mim.
Acabou, só isso, já não sinto que te pertença, já não sinto nada, já não gosto de ti. Desculpa.
E foi.
Deu-me o abraço que sabia que eu precisava, limpou-me as lágrimas que viriam e foi.
Senti a certeza de que tinha mesmo acabado.
A v. costumava esconder o dinheiro ou coisas que lhe davam em todas as caixinhas que encontrava. Precisava de preencher todos os vazios.
Eu acho que ela nunca deixou de sentir-se sozinha.
A minha v. saiu da nossa vida apenas com uma mala à tiracolo e o saquinho da erva.
Deixou-me com tudo o resto, como se houvesse mais alguma coisa depois dela.
A minha v. tomou uma quantidade absurda de comprimidos e meteu-se no carro, a conduzir devagar. Tinha todo o tempo do mundo, como quando se é jovem, como nós somos.
Eu sabia a certeza de que tinha mesmo acabado.

Corpo etílico

As ressacas têm qualquer coisa de poético.
É por se ter só um bocado de consciência alerta e dentro de um vazio que embacia.
Muito facilmente o mundo faz rir ou chorar, tem-se uma sensibilidade de quem não pensa, só sente.

Tudo.
Um luxo para quem não sonha.

Quase ao fim da tarde, que é a nossa manhã, solta-se o mínimo de energia e parece mesmo, cá dentro, que o tempo não vai passar. Vamos poder estar no sofá ou neste eterno Verão infinitamente.
Queremos isso.
Mas o sol põe-se, mesmo assim.

Quase ao fim da noite, que é o nosso dia, vem um sabor a culpa e a dormência passa a ser só deprimente. É a vida a recomeçar.
Amanhã.
Hoje, respirar foi tudo o que conseguimos fazer.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Hit the road Jack

e deixa-te de cenas.


terça-feira, 27 de setembro de 2011

Enurese

- Irrita-me imenso que as pessoas desatem a distribuir rótulos por dá cá aquela palha sem se atreverem a pensar no peso que isso pode ter sobre a vida da pessoa ostracizada. Bem sei que por vezes eu próprio sou um pouco duro em juízos, talvez até um pouco quadrado, mas seria incapaz de afastar definitivamente alguém apenas por uma pequena falha. Não concordas?
- Acho que sim...
- Não posso aceitar, acho mesmo muito injusto, só porque um tipo às vezes se descuida enquanto dorme, repara que é em estado de inconsciência!, e até há um nome para isso, é uma doença dos dias que correm... Acho um absurdo ser apelidado de mijão durante anos a fio. Como pode um indivíduo assim andar na sua vida de cabeça erguida?
- Não sei bem...
- An? Mas não sabes o quê? Que idade é que tu tens?
- Eu tenho seis e tu?
- Ah... Vi logo, eu tenho oito e três meses. Putos.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Deste lado do espelho enquanto me aborreço com o fim de tantas outras histórias de amor que já não são a minha

Disse-te um dia que destruiria o meu mundo todo por ti. Depois de agarrar o meu corpo todo, disseste-me que o destruiríamos juntos porque ele nos pertencia.
Olha agora o que temos.
Temo-nos um ao outro, dirias. Ingénuo.
Não só não temos como nos perdemos a nós próprios por entre a vida.
É como se fôssemos velhos já, secos, moles e vazios apesar de cheios de merda.
É só a vida, é mesmo assim, insistes.
Ia jurar que tinha morrido de amor, mas hoje sei que estou a definhar de indiferença.
Esta sensação de estar sempre quase a dormir, de ter o mundo a enrolar-se em mim e não sentir nada, nunca aquecer. Já nem sei onde está o meu próprio corpo.
Olha antes ter um gato, a porra de um gato que me arranhe todos os dias até ao sangue ou às lágrimas para ter a certeza de que ainda estou viva.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Do-lo-res

I. É uma pequena diva. Adora que gostem de si e ainda gosta mais se não gostam.
Às vezes dou por mim enternecido a olhá-la enquanto corre de um lado para o outro, como se saltasse de flor em flor. Apanha-me em flagrante e solta um risinho. Sabe perfeitamente que estou a olhar para cada parte do seu corpo, mesmo assim finge corar, como uma virgenzinha envergonhada.
Já a apanhei a espreitar-me à noite. Eu finjo que estou a dormir e ela vai pé ante pé, personagem posta, criando todo um filme mudo entre os nossos corpos. Não sei se ela sabe que a vejo. Acho que sabe e que gosta. E aí sim, sei-a a corar, mesmo às escuras.


II. Não me atrevo a tocar-lhe.
Não me atrevo sequer a abrir os olhos, não vá o pudor levá-la daqui.
Mas ela vai-se sempre. Demora apenas o tempo suficiente para que o cheiro de menina-mulher se agarre às minhas roupas e aos meus sonhos brancos.
Ela sabe que me deve respeito e eu muitas vezes aproveito-me disso para a espicaçar. Chateio-a por incorrecções sociais ou gramaticais, mostro-lhe que ainda não é uma senhora. Divirto-me depois a ver a sua aflição enquanto faz por travar o beicinho infantil, sabe que não há o que discutir quando o único argumento é a autoridade. Sei que me vai odiar durante uns dias mas a sua impertinência e o nariz arrebitado fazem-na abanar o vestido como se já tivesse crescido.
Eu não quero que ela cresça e não a quero para mim.
Quero que fique para sempre entre a inocência e o ser, com a liberdade que só têm os alienados e quem ainda mal começou a viver.
Pergunto-me se ela já sabe que o desejo tem outro nome: pecado.

Inventando-te

É enquanto dormes que te escrevo o que já não sei sentir.
Há dias, talvez semanas, que o teu corpo dorme sobre o meu, à volta do meu e que eu sei que já é só o teu corpo.
Já não sei o que é o teu peso. O peso de ti.
É enquanto dormes que fico para aqui a abraçar em mim os teus beijos frios e a embalar os teus sonhos.
Talvez sejam os meus sonhos que adormeço.
Podia deixar-te a dormir durante muito tempo.
Há quanto estamos fechados neste quarto?
Ficaria a olhar para ti, a gostar de ti.
Até conseguir olhar para mim e gostar de mim.
Vou deixar-te esta manhã.
Antes ir vivendo
do que morrer todos os dias a esquecer-te.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Agora, é escrevê-lo

Se me deixasses, era capaz de escrever um livro inteiro.
A felicidade e o amor nunca emprenharam ninguém de boas ideias.
Repara na solidão ou no desgosto de amor, são poemas quase por si só.
Mas tu sorris-me e abraças-me e não me deixas cair.
Salvaste-me até de mim, o que era demasiado triste.
Se ao menos me destruisses de novo, saísses pla porta e a batesses como no teatro.
Talvez aí. Talvez aí pudesse escrever o que quer que fosse.
Agora ser feliz, o que é que eu faço com isto?
Se me deixasses, era capaz de escrever um livro inteiro.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Entre a noite e o ser
um corpo
um copo sempre cheio
sempre vazio.

Filmes mudos
e o mundo a desequilibrar-se.
Filmes mudos.
A cada trago sinto-me maior
e sou tão mais pequena.

Hoje quero não-ser até de manhã.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

por encomenda

Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Estava há mais de uma hora no banco da igreja a tentar concentrar-me em quem morria, chorar por ele. Mas só o meu corpo tentava enganá-los. Dentro da cabeça um cão a morder-me o cérebro. Não consigo largar tudo o que foi deixado pra viver. Não é justo, este lado. Com os olhos raiados e a cabeça a sangrar, saio aos tropeções. As lajes frias, os olhos velhos de censura agarram-me a roupa, descalçam-me os pés. Sou só um farrapo sem sombra quando chego ao sol. De dentro, ainda um grito tenta levar-me pelos cabelos mas fujo, corro pra dentro de árvores de betão, rato que sou, que sempre fui, só paro na noite. Enrosco-me nela. Quando consigo mexer-me sei que é já outro dia. Dou-me ao sol mais uma vez, peço que me leve, mas este peso de morte não me deixa descolar do chão. Arrasto-me por entre rostos inexistentes cheios de vidas que passam só por passar, que já nem cansam de tão entranhadas que estão nas papadas debaixo do queixo, em olheiras cheias de olhos, em pernas que conduzem troncos amorfos entre cada toque do despertador. É num desses corpos que esbarro, que me arranca a mim. Uns minutos, a eternidade. Pela altura do nariz e a posição dos ombros e do chapéu, este acha que é livre. Sorrio-lhe. Cá dentro, gritos de desespero que já não seguro.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Gritos de desespero que já não seguro.
Se tivesse super-poderes matava todas as pessoas demasiado burras, dizia o meu irmãozinho antes de ser morto pela estupidez humana.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Quando olho para a cara à minha frente já só o vejo a ele, frio, quieto, sozinho para sempre. Já não és tu.

Rebento-lhe os miolos e não sei qual de nós morreu primeiro.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Algo mudou entre o dormir e o acordar que nos tornou diferentes. Desenhou-nos um olhar de estranhos, quase um desdém de não perceber porque estamos aqui. Trocam-se beijos frios a fingir calor, as mãos vão tocando e apertando cada parte do corpo que já não nos pertence. Olhamos cada sinal, cada bocadinho de pele à procura de algo que nos traga de volta. Evitamos os olhos, com medo de nos perdermos para sempre. O arrepio da paixão é nesta manhã um suor que tentamos esconder.
Adeus, dizemos, e quando viramos as costas mordemos as lágrimas secas.
Rezamos para que à noite voltemos a conhecer-nos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Foi há um ano que desistimos de nós.
Hoje continuo nesta casa vazia da minha vida e preencho o silêncio com a vida que oiço escorrer à minha volta. Quando estou mais sozinho encosto-me devagarinho às paredes, fecho os olhos e deixo inundar-me plo que dantes nunca existiu e agora me mantem vivo.
Durmo todo o dia. Por volta do fim de tarde, eles finalmente chegam e eu roubo-lhes a vida.
Da cozinha consigo ouvi-la arrepiar-se quando ele vai agarrar-lhe a cintura de surpresa. Consigo percebê-los lentamente a trocar saliva por todo o corpo, a trocarem gemidos de amor e de prazer, mesmo aqui ao meu lado, do outro lado. Sinto eu também o prazer, dentro das minhas calças e por todo o meu corpo que vibra a cada sussuro com um amor que não é meu.
À hora do jornal, que era a do nosso jantar, deito-me de costas no chão da sala vazia de ti. Os velhos lá em baixo gritam-se muito, parecem gastos, cansados um do outro. Tudo são desculpas para reclamar do que passa a televisão, do jantar que comem, da bengala que usam, da cara que já não reconhecem. Os netos e os filhos que às vezes vêm, não fazem ideia que dormem de mãos dadas há mais de 50 anos, todas as noites. Não sabem que ela pinta o cabelo para que ele não se sinta envelhecer. Não sabem que ele usa bengala para que ela o segure sempre, quando parece desequilibrar-se.
Na casa-de-banho, oiço os miudos a brincar no banho antes de dormir. A mãe finge todos os dias que lhes rouba o nariz, consegue enganá-los uma eternidade, entre gargalhadas. Eu choro deste lado por já não serem os nossos filhos nem a tua cintura que os embala a protegê-los sempre do mundo inteiro.
Muito mais tarde há ainda um casal que finalmente se encontra e eu vejo-os perfeitamente da nossa varanda. Passam o dia a preparar aquele momento, a embrulhar o amor devagarinho para soltá-lo assim que se virem logo à noite. mas porque hoje é mais tarde, faz mais frio ou se tem mais sono, o beijo que trocam já não é da saudade desesperada que levaram todo o dia a conter. É de quem está cansado, de quem precisa muito de receber mais mas já não tem o que dar. É de quem ama, mas só consegue gritar, chorar, magoar, porque sente que o amor nunca chega para tudo.
E é aí que eu nos vejo meu amor.
É na nossa varanda que espero pelo dia e desejo que o peso da noite esmague a falta que me fazes.

De que falar quando se sente a garganta seca de tanta parvoíce burguesa que nos aperta e nos encolhe nesta cidade-penico?
Arrogantes, cospem-nos de baixo. Como se o ódio instantâneo e crónico pela sinceridade seca que por vezes escapa à terrível barreira social que nos cose os lábios e coze a língua, não fosse apenas demonstrativo da insegurança com que se vive debaixo de tanta simpatia inútil.
E vive-se - porque não hás-de viver como os outros?
Ora, lá gosto dos outros.

As mulheres da noite já não têm medo da solidão
Começam a dormir quando se põe a noite e ao acordar só querem um corpo quente a seu lado se for para lhes oferecer um copo de vinho, um cigarro ou um beijo em silêncio.
As mulheres da noite trocam confidências entre sim até ao nascer do dia, ao seu amante, ou à falta dele, guardam um sussurro de quase-amor. Não tiram a maquilhagem porque o sol é demasiado cruel para quem vive de noite.
Não são putas. Não. Não vendem o corpo por dinheiro mas por prazer entre risinhos de amor-emprestado.
Em cada bar da cidade há uma dessas mulheres.
Talvez não consigam ir para casa enquanto o marido bêbado não dorme.
Talvez procurem pedaços de alguém que as faça sentir reais.
Talvez tentem conquistar a juventude entre cada bebida, só a lua é juiz.
Talvez tenham preferido a independência ao rebanho macho.
Talvez só queiram esquecer-se.
Conheci uma dessas mulheres do outro lado do balcão. O excesso de amor deixou-lhe cicatrizes por quase todo o corpo, o que não a impede de ser uma mulher bonita.
Valeu a pena, diz-me. Depois de doer ele abraçava-me, apertava-me toda nas suas mãos e eu sabia que todo o mundo acabava ali. Há quem me chame cobarde, fraca, machista, doente. Eu tenho pena de quem nunca sentiu que um corpo era pouco, comparado com a completude, o amor-total. Desde que o matei que não consigo voltar para casa de noite. Não é a solidão. É de mim que sinto falta.

Cigarros amarfanhados num cinzeiro fazem sempre lembrar-me pessoas sós.

Do Horror

Chateia-me visceralmente a necessidade que hoje existe de matar o teatro clássico em nome de uma evolução para o espaço conceptual, abstracto, livre, sem sentido.
Não me chateiam as performances que não querem dizer ou fazer sentir nada, não gosto, mas não chateiam porque não penso nelas. Agora, não venham é chamar-lhes teatro.
A não esquecer, para uma amante como eu, daquilo que é sentir o teatro:

- As coisas más, não passam a ser boas só porque são assumidas.

- Estar nu, já não é chocante, portanto, sem justificação torna-se apenas inútil e desnecessário, chato, aborrecido, repetitivo.

- O público não é uma opção, é fundamental ao Teatro. O não interesse em passar uma mensagem ou em fazê-lo sentir, é apenas egoísta e fácil.

- Os actores, adereços e cenários podem ser bonitos e glamorosos, porquê a necessidade actual em mostrar que o actor de teatro é aquele que se desprende dos bens materiais, da moda e do dinheiro? Ao querer afastar-se das imagens de divas do espectáculo, cria-se hoje a ideia de que para ser artista, é preciso não ter o mínimo de preocupação com a aparência. A diferença em vez de ser uma liberdade, torna-se hoje numa obrigação.

- A palavra, o texto, a personagem, não são apoios ao "teatrinho", são instrumentos do sentir, do mostrar, do representar que fazem do teatro o que é e sempre foi. São trabalho, ao contrário de um conjunto de performances de 10 minutos, que hoje em dia chega para construir uma peça.

- Shakespeare, Molière, Tchecov não são piadas antigas das quais os verdadeiros artistas actuais têm que se desprender. Como aliás devem desprender-se de tudo, visto que basta estarem em frente ao público em silêncio, nus talvez, para serem os melhores artistas do ano para os novos intelectuais, que percebem sempre toda e qualquer mensagem, mesmo que o artista não tenha sequer pensado numa.

O teatro vai muito para além de qualquer Praga, de qualquer um de nós, de qualquer tempo. Isto que agora se aprecia como espectáculo total, cheira apenas à explosão de fanicos interiores que todos nós às vezes temos, mas apenas alguns decidem que o resto do mundo terá interesse em apreciá-los.

É chato

Porra. Não percebo a necessidade ou motivação que leva pessoas prestadoras ou receptoras de serviços a eternamente tratarem-me por tu. Será pela acne juvenil, que não tenho, pelo mau português, que não falo, ou pela minha simpatia exagerada? De certeza!
Às vezes ainda escapo ao primeiro impacto, Bom dia, faça favor de entrar, mas logo a seguir levo com um esperas aí cinco minutinhos está bem?
Ora, das pessoas mais velhas, que por mais que eu cresça, continuarão naturalmente mais velhas que eu, não me choca. Agora ter que levar com o Bruno do McDonalds a querer saber se eu, amiga dele e dos seus 18 anos, quero mais alguma coisa, tenham paciência!
Mais crasso é quando as pessoas que estão comigo, da mesma idade e a fazer exactamente a mesma coisa, conseguem um você ou até o senhor e depois a cara sorridente volta-se para mim e pimba, e tu?
Compreendo que um bar não seja o melhor sítio para grandes exigências, malta jovem, copos e tal. Mas quando nas finanças tentas inscrever-te pela quarta vez no modelo 318 anexo B para poderes largar lá parte do ordenado todos os meses, ou em situações de extremo conforto como uma ida ao dentista ou ao ginecologista, convenhamos, é esperado o mínimo de sensibilidade e respeito. Mas não.

Outra coisa chata: o prestador ou receptor de serviços com mau hálito.
A seu tempo.

Gato um.

Sento-me. Refastelo-me. Perco-me.
Tento.
Um gato lambe-se vagarosamente como se toda a sua vida dependesse daquele banho.
Os olhos fechados de prazer a cada lambidela.
Felicidade às dentadas an?
E essa criatura de vida-novelo, redonda e interminável lambe-se a despropósito, pondo-nos na cara a vergonha da sua liberdade.
Falso, asseado, prestimoso e independente, senhor de quantos poetas já?
"És feliz porque és assim".
Também eu te invejo alguns dias. A capacidade do nada, do existir apenas, faz comichão a quem pensa.
Antes pulgas senhores, do que a certeza do que se é.

Majestic

É aquele ar triste, pensei. É aquele ar triste que me fascina.
A fatalidade marcada entre o fumo de um cigarro displicente, o batom meio morto, esbatido da noite, na noite. E fuma, como se lambesse de uma só vez toda a paisagem em redor, todo o público que não pediu, que já não lhe interessa, que já não vê. Não hoje. Hoje o mundo mede-se na distancia entre cinzeiro e lábios, entre cigarro e cigarro.
Pede mais um cosmopolitan e ri. Ri às gargalhadas como quem sabe que aquela bebida traz consigo a marca da futilidade americana, do esteve-na-moda-e-comigo-ainda-está, do gay da noite, que outros há?
E a cada gole é como se caísse, como se cada engolir de saliva alcoólica a empurrasse mais na vertigem. Lágrimas pretas dissolvem-se na gargalhada amarga, lágrimas-rimel, lágrimas-morte.
Os mais velhos olham indignados, como fazem sempre que pensam estar perante um confronto de gerações, e pensam sempre.
Os mais novos cobiçam, sentindo-se tão maiores do que mostra a sua sombra.
E a miúda-mulher só agora os vê, surpreende-se neste precipício-fotografia, já não cai.
Levanta-se e enche a sala, o vestido turquesa larga o perfume do fim do dia e desaparece para onde o sol se põe.
O vácuo da sala desaparece, volta o bulício.
A mim arde-me a pele, dói-me a certeza: era a puta mais bonita do mundo.


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Olá, eu sou a insónia e vou comer-te.

quarta-feira, 24 de março de 2010

São azedas
que se chupam p'lo Verão a fora.
Eu nunca fui doce,
quero ser engolida p'la paixão.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Acordo com medo de morrer
e no entanto apenas fico
aqui sentada.
Apenas.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Correr pla baía podre
faz-me sentir mais livre
da merda
onde me enterro todos os dias.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

há dias em que
tenho a certeza
de não saber acordar

Estou farta de comer

e de fazer xixi.
Estou cansada de acordar
e de adormecer.
Farta deste relógio
a que a razão obriga
quem sabe.

Aparte isto, é só o desenrolar do fio até ao fim.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Olho para o sol,

sem abrir os olhos.
Escorrem-me gotas de suor
pela testa e até ao nariz.
Lambo-as.

O mar todo na minha boca.

sábado, 22 de agosto de 2009

Eu sou um
gafanhoto a saltitar
pela vida.

Odeio pragas,
odeio não poder voar,
mas quase.

Eu sou um
gafanhoto só
à espera do vento.