quinta-feira, 18 de junho de 2015
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
No meu egoísmo infantil voltei
a perder
a.
Queria dizer-te que.
Não tenho tempo
e aflige-me que todo o que tenho
se desperdice
em bocados de nada
daquelas vidas dos outros
a que tentamos fugir
que nos enredam
ainda assim
mesmo que nós.
Queria dizer-te
que nunca penso
em largar-te a mão
mesmo quando me afasto
ligeiramente
é para te sentir
buscar-me
sei
que ser feliz
é isto.
Queria dizer-te
que o amor
mas tocas-me
e
sei
é isto.
domingo, 3 de agosto de 2014
sexta-feira, 18 de julho de 2014
quinta-feira, 10 de julho de 2014
quarta-feira, 2 de julho de 2014
quinta-feira, 15 de maio de 2014
sexta-feira, 18 de abril de 2014
terça-feira, 1 de abril de 2014
segunda-feira, 17 de março de 2014
Hoje não quero dormir sozinha
Traz as flores do caminho
Entra devagarinho
Agarra-me p'la cintura, de mansinho.
Eu vou fingir que não espero por ti
Eu vou fingir que estava bem assim
Vou abraçar-te até seres parte de mim.
Vem sussurrar-me o gosto de ti
Que eu vou sorrir, meio a dormir
E vai ser só simples, amor, sim.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
Olha-se ao espelho com a pressa de quem não quer desistir e sai noite fora à procura da única coisa que tem: o desconhecido.
Decide ir até ao aeroporto.
Lá sempre pode fingir fazer parte das pessoas, fingir que espera, que é esperada.
Sorri de longe. Mantém o ânimo para o avião que se atrasa ou o terminal enganado ou será que ele não me viu?
Ninguém.
A vida é isto.
Isto e a lembrança de tudo o que já foi, a aumentar o vazio.
Não resta nada.
Nem a vontade.
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
É verdade. E eu desperdiço a minha juventude e os meus dias de sol num terreno estéril."
"E amanhã, o quê? Sempre a remendar a máscara, a arranjar desculpas para só ter lido metade do que me propus ler. E a vida vai passando!"
"Por agora, no entanto, o que tenho para dar? Nada. Sou egoísta, timorata, demasiado choramingas para conseguir guardar-me para a minha escrita fantasma."
"... que diabo vem a ser a tragédia? A tragédia sou eu."
Sylvia Plath, Zé Susto e a bíblia dos sonhos.
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
terça-feira, 16 de julho de 2013
terça-feira, 17 de julho de 2012
The beautiful people
Ela tem pena de si própria e por isso decide atirar-se ao rio.
Ela odeia-se por ter pensado nisso e por isso tem pena de si própria.
Ela está sem saída porque faça o que fizer terá sempre que voltar.
A si.
Ele não gostava de olhar-se ao espelho num corpo que não poderia manter.
Ele desatou o corpete devagar enquanto sorvia tudo o que cabe num gargalo.
Ele decidiu engolir o próprio vómito quando já não o podia conter.
Porque um homem não chora.
Ela achou que ser bonita era uma maldição que a impedia de pensar.
Ou de parecer pensar.
Ela caiu de olhos fechados numa lareira para se sentir mais inteligente.
Ele pensou que bater-lhe e virar costas era a melhor maneira de esconder o que sentia.
Ele pensou que ela finalmente o deixaria por isso e não teria de voltar a magoá-la de nenhuma maneira.
Ele chegou e ela estava à sua espera de lágrimas secas.
Ela jurou nunca mais sentir-se presa numa vida que não era a sua.
Ela apanhou o comboio sem mochila e nunca sequer olhou para trás.
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Tenho uma vontade de chorar a morder-me os calcanhares há coisa de uma semana.
Começa a atrapalhar-me a vida porque onde eu atravesso, tropeça ela.
Aí vem-me de surpresa aquele aperto à garganta que não sei depois distinguir entre vómito ou soluço dramático, mas que em qualquer dos casos me deixa com cara de parva.
E a vida, que não pára, olha-me de sobrolho esquerdo levantado como se eu não tivesse o direito de parar o jogo por um bocado-tempo, de fazer pausa nas cláusulas que estipulámos ao nascer aquando do primeiro berro.
Se ao menos agora pudesse só berrar.
well thanks bitch, now i'm able to write again
domingo, 15 de abril de 2012
Entre Irmãos
sábado, 14 de abril de 2012
Quem tem medo de Virgina Woolf?
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Vidros Partidos
Quando lhe bateu nem sentiu mais que isto.
Sentiu as rugas que lhe pesavam na testa,
o suor que já era doce de escorrer só por escorrer.
Sentiu a sede e que devia ter snifado mais uma.
A culpa.
A culpa era fria e dava-lhe mais para bater em si do que nela.
Antes disso, voltou-se para a sua idade e para os velhos dela.
Mais um golo e o arrepio,
aquela sede que já nem ela podia acarinhar.
Solidão.
Por isso lhe bateu até doer,
até sangrar,
até deixar de respirar.
Até lhe arrancar a pele por ser a dele que doía.
O vento!
Foi só mais uma janela sem vidro e o desejo de voar.
Livre.
Afinal sentia.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
O eterno marido
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Runaway train
O branco mármore da cara a desaparecer por entre cachos negros que tapavam os olhos apenas na medida certa.
Um véu que mantém entre si e o mundo. Sempre o teve.
As sardas de um Verão tardio desenhavam um caminho estelar por todo o corpo.
Sempre quase nu. Sempre completamente intransponível.
Dançava quase transparente entre a noite que é dela.
Ria entre cocktails branco-gin, branco-vodka, branco-md.
Foi dando e recebendo com o seu corpo aquilo que já não tinha para dar com o coração.
A outros corpos, sem pessoas.
Mas o olhar não o deu nunca.
O seu cheiro, ninguém o sabe.
Ao percorrer o caminho de volta à sua vida sentiu uma leveza de morte.
De vida.
Sentiu desprender-se da pele o que foi, o que não seria.
Sentiu que sem ti não valia a pena ter corpo, por mais quente que mantivesse a sua cama.
Deixou-se ir.
Foi.
Não sabe se volta.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Livre Mente
E não há nada que a possa de lá tirar.
A culpa junta-se-lhe e moi moi moi.
Moi-te de mansinho.
Vai levar-te a fazer coisas disparatadas em relação a ti e aos outros.
Normalmente, atitudes como ir visitar a família, fazer exercício físico e comer mais saudavelmente são bons bálsamos nos primeiros dias.
Depois passas a odiar-te por teres feito tudo pelas razões erradas e começa tudo de novo.
É simples.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Átila?
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Marias somos todos
Juntam-se aqui porque precisam de um sítio para fumar, acho eu.
Pedem uma cerveja para cada três, juram ter já 16 anos e depois é fumar uns atrás dos outros com caretas e trejeitos próprios de quem cumpre expediente.
Quem à noite ainda tiver a roupa a cheirar a tabaco, ganha. Quem conseguir fumar Gigante, ganha. Quem aguentar o maior bafo, também.
Mas não são desafios fáceis, não se pense.
A adolescência é lixada e é nestas pequenas batalhas diárias que se estabelece o mais forte.
Não é o fumar ou não fumar. São talvez as intenções por detrás dessa decisão, se as há, porquê.
Nada disto pretende ser moralista ou condescendente.
Quem não continuar ainda hoje a conquistar momentos de segurança através de murros na mesa, que atire a primeira pedra.
domingo, 6 de novembro de 2011
Crime. E castigo?
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Peso Borboleta
Não sabia porquê, já não perguntava. O sentimento de justiça de que inicialmente precisava para não parar no momento errado ou para não se rebentar a si, já tinha amolecido nele. Era como uma pequena borboleta que enxotava do ombro com um simples estalar de dedos, quando dava por ela.
Não era por já não pensar neles como pessoas. Mas agora pensava sobretudo que eram o seu apartamento, o seu carro, as mamas da sua mulher, a velhice de ambos e acima de tudo o ensino especial do filho.
Mas havia dias em que o tempo passava quase a parar, como se a consciência estivesse a tentar sobreviver, e hoje tinha sido assim.
Mal entrou na sala pela janela aberta, soube que não estava ali sozinho, um homem roncava no sofá. Camisola de alças, cuecas e meias apenas. E barriga. Uma barriga imensa que conseguia demonstrar 40 anos de vida só com o seu movimento enorme e perpétuo. Acabou como tinha vivido. Inócuo. Uma pequena brisa morna e indiferente à espera do fim.
A mulher foi diferente.
Gritou, tremeu, pediu pela filha e descreveu toda a sua família, enquanto ele olhava à porta do quarto sem conseguir mexer-se ou desviar a arma. Não era arrependimento, era o tempo que teimava em quase parar. Quando finalmente fez o que fora ali fazer, notou que o corpo continuava a respirar tombado na cama. A mãe tinha escondido a filha com o seu corpo na esperança de a fazer viver.
A miúda, entre lágrimas, ranho e olhos muito abertos, não soltava um único som. Era como se todo aquele desamparo tivesse feito sempre parte da sua pequena vida. Ele puxou-a para si, pediu desculpa em silêncio e abraçou-a até ela parar de soluçar. Devagar beijou-lhe os cabelos e só quando ela lhe largou a mão conseguiu disparar.
Passou o resto da noite a sacudir e a esfregar os próprios ombros, mas nem por isso conseguiu dormir.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Uma vida inteira
Look how they shine for you
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
sine qua non
domingo, 23 de outubro de 2011
I-n-s-ó-n-i-a
disse eu
disse ele
terça-feira, 4 de outubro de 2011
V.
Corpo etílico
As ressacas têm qualquer coisa de poético.
É por se ter só um bocado de consciência alerta e dentro de um vazio que embacia.
Muito facilmente o mundo faz rir ou chorar, tem-se uma sensibilidade de quem não pensa, só sente.
Tudo.
Um luxo para quem não sonha.
Quase ao fim da tarde, que é a nossa manhã, solta-se o mínimo de energia e parece mesmo, cá dentro, que o tempo não vai passar. Vamos poder estar no sofá ou neste eterno Verão infinitamente.
Queremos isso.
Mas o sol põe-se, mesmo assim.
Quase ao fim da noite, que é o nosso dia, vem um sabor a culpa e a dormência passa a ser só deprimente. É a vida a recomeçar.
Amanhã.
Hoje, respirar foi tudo o que conseguimos fazer.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Enurese
- Acho que sim...
- Não posso aceitar, acho mesmo muito injusto, só porque um tipo às vezes se descuida enquanto dorme, repara que é em estado de inconsciência!, e até há um nome para isso, é uma doença dos dias que correm... Acho um absurdo ser apelidado de mijão durante anos a fio. Como pode um indivíduo assim andar na sua vida de cabeça erguida?
- Não sei bem...
- An? Mas não sabes o quê? Que idade é que tu tens?
- Eu tenho seis e tu?
- Ah... Vi logo, eu tenho oito e três meses. Putos.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Deste lado do espelho enquanto me aborreço com o fim de tantas outras histórias de amor que já não são a minha
Disse-te um dia que destruiria o meu mundo todo por ti. Depois de agarrar o meu corpo todo, disseste-me que o destruiríamos juntos porque ele nos pertencia.
Olha agora o que temos.
Temo-nos um ao outro, dirias. Ingénuo.
Não só não temos como nos perdemos a nós próprios por entre a vida.
É como se fôssemos velhos já, secos, moles e vazios apesar de cheios de merda.
É só a vida, é mesmo assim, insistes.
Ia jurar que tinha morrido de amor, mas hoje sei que estou a definhar de indiferença.
Esta sensação de estar sempre quase a dormir, de ter o mundo a enrolar-se em mim e não sentir nada, nunca aquecer. Já nem sei onde está o meu próprio corpo.
Olha antes ter um gato, a porra de um gato que me arranhe todos os dias até ao sangue ou às lágrimas para ter a certeza de que ainda estou viva.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Do-lo-res
I. É uma pequena diva. Adora que gostem de si e ainda gosta mais se não gostam.
Às vezes dou por mim enternecido a olhá-la enquanto corre de um lado para o outro, como se saltasse de flor em flor. Apanha-me em flagrante e solta um risinho. Sabe perfeitamente que estou a olhar para cada parte do seu corpo, mesmo assim finge corar, como uma virgenzinha envergonhada.
Já a apanhei a espreitar-me à noite. Eu finjo que estou a dormir e ela vai pé ante pé, personagem posta, criando todo um filme mudo entre os nossos corpos. Não sei se ela sabe que a vejo. Acho que sabe e que gosta. E aí sim, sei-a a corar, mesmo às escuras.
II. Não me atrevo a tocar-lhe.
Não me atrevo sequer a abrir os olhos, não vá o pudor levá-la daqui.
Mas ela vai-se sempre. Demora apenas o tempo suficiente para que o cheiro de menina-mulher se agarre às minhas roupas e aos meus sonhos brancos.
Ela sabe que me deve respeito e eu muitas vezes aproveito-me disso para a espicaçar. Chateio-a por incorrecções sociais ou gramaticais, mostro-lhe que ainda não é uma senhora. Divirto-me depois a ver a sua aflição enquanto faz por travar o beicinho infantil, sabe que não há o que discutir quando o único argumento é a autoridade. Sei que me vai odiar durante uns dias mas a sua impertinência e o nariz arrebitado fazem-na abanar o vestido como se já tivesse crescido.
Eu não quero que ela cresça e não a quero para mim.
Quero que fique para sempre entre a inocência e o ser, com a liberdade que só têm os alienados e quem ainda mal começou a viver.
Pergunto-me se ela já sabe que o desejo tem outro nome: pecado.
Inventando-te
É enquanto dormes que te escrevo o que já não sei sentir.
Há dias, talvez semanas, que o teu corpo dorme sobre o meu, à volta do meu e que eu sei que já é só o teu corpo.
Já não sei o que é o teu peso. O peso de ti.
É enquanto dormes que fico para aqui a abraçar em mim os teus beijos frios e a embalar os teus sonhos.
Talvez sejam os meus sonhos que adormeço.
Podia deixar-te a dormir durante muito tempo.
Há quanto estamos fechados neste quarto?
Ficaria a olhar para ti, a gostar de ti.
Até conseguir olhar para mim e gostar de mim.
Vou deixar-te esta manhã.
Antes ir vivendo
do que morrer todos os dias a esquecer-te.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Agora, é escrevê-lo
Se me deixasses, era capaz de escrever um livro inteiro.
A felicidade e o amor nunca emprenharam ninguém de boas ideias.
Repara na solidão ou no desgosto de amor, são poemas quase por si só.
Mas tu sorris-me e abraças-me e não me deixas cair.
Salvaste-me até de mim, o que era demasiado triste.
Se ao menos me destruisses de novo, saísses pla porta e a batesses como no teatro.
Talvez aí. Talvez aí pudesse escrever o que quer que fosse.
Agora ser feliz, o que é que eu faço com isto?
Se me deixasses, era capaz de escrever um livro inteiro.
terça-feira, 13 de setembro de 2011
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
por encomenda
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Estava há mais de uma hora no banco da igreja a tentar concentrar-me em quem morria, chorar por ele. Mas só o meu corpo tentava enganá-los. Dentro da cabeça um cão a morder-me o cérebro. Não consigo largar tudo o que foi deixado pra viver. Não é justo, este lado. Com os olhos raiados e a cabeça a sangrar, saio aos tropeções. As lajes frias, os olhos velhos de censura agarram-me a roupa, descalçam-me os pés. Sou só um farrapo sem sombra quando chego ao sol. De dentro, ainda um grito tenta levar-me pelos cabelos mas fujo, corro pra dentro de árvores de betão, rato que sou, que sempre fui, só paro na noite. Enrosco-me nela. Quando consigo mexer-me sei que é já outro dia. Dou-me ao sol mais uma vez, peço que me leve, mas este peso de morte não me deixa descolar do chão. Arrasto-me por entre rostos inexistentes cheios de vidas que passam só por passar, que já nem cansam de tão entranhadas que estão nas papadas debaixo do queixo, em olheiras cheias de olhos, em pernas que conduzem troncos amorfos entre cada toque do despertador. É num desses corpos que esbarro, que me arranca a mim. Uns minutos, a eternidade. Pela altura do nariz e a posição dos ombros e do chapéu, este acha que é livre. Sorrio-lhe. Cá dentro, gritos de desespero que já não seguro.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Gritos de desespero que já não seguro.
Se tivesse super-poderes matava todas as pessoas demasiado burras, dizia o meu irmãozinho antes de ser morto pela estupidez humana.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Quando olho para a cara à minha frente já só o vejo a ele, frio, quieto, sozinho para sempre. Já não és tu.
Rebento-lhe os miolos e não sei qual de nós morreu primeiro.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
Algo mudou entre o dormir e o acordar que nos tornou diferentes. Desenhou-nos um olhar de estranhos, quase um desdém de não perceber porque estamos aqui. Trocam-se beijos frios a fingir calor, as mãos vão tocando e apertando cada parte do corpo que já não nos pertence. Olhamos cada sinal, cada bocadinho de pele à procura de algo que nos traga de volta. Evitamos os olhos, com medo de nos perdermos para sempre. O arrepio da paixão é nesta manhã um suor que tentamos esconder.
Adeus, dizemos, e quando viramos as costas mordemos as lágrimas secas.
Rezamos para que à noite voltemos a conhecer-nos.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Foi há um ano que desistimos de nós.
Hoje continuo nesta casa vazia da minha vida e preencho o silêncio com a vida que oiço escorrer à minha volta. Quando estou mais sozinho encosto-me devagarinho às paredes, fecho os olhos e deixo inundar-me plo que dantes nunca existiu e agora me mantem vivo.
Durmo todo o dia. Por volta do fim de tarde, eles finalmente chegam e eu roubo-lhes a vida.
Da cozinha consigo ouvi-la arrepiar-se quando ele vai agarrar-lhe a cintura de surpresa. Consigo percebê-los lentamente a trocar saliva por todo o corpo, a trocarem gemidos de amor e de prazer, mesmo aqui ao meu lado, do outro lado. Sinto eu também o prazer, dentro das minhas calças e por todo o meu corpo que vibra a cada sussuro com um amor que não é meu.
À hora do jornal, que era a do nosso jantar, deito-me de costas no chão da sala vazia de ti. Os velhos lá em baixo gritam-se muito, parecem gastos, cansados um do outro. Tudo são desculpas para reclamar do que passa a televisão, do jantar que comem, da bengala que usam, da cara que já não reconhecem. Os netos e os filhos que às vezes vêm, não fazem ideia que dormem de mãos dadas há mais de 50 anos, todas as noites. Não sabem que ela pinta o cabelo para que ele não se sinta envelhecer. Não sabem que ele usa bengala para que ela o segure sempre, quando parece desequilibrar-se.
Na casa-de-banho, oiço os miudos a brincar no banho antes de dormir. A mãe finge todos os dias que lhes rouba o nariz, consegue enganá-los uma eternidade, entre gargalhadas. Eu choro deste lado por já não serem os nossos filhos nem a tua cintura que os embala a protegê-los sempre do mundo inteiro.
Muito mais tarde há ainda um casal que finalmente se encontra e eu vejo-os perfeitamente da nossa varanda. Passam o dia a preparar aquele momento, a embrulhar o amor devagarinho para soltá-lo assim que se virem logo à noite. mas porque hoje é mais tarde, faz mais frio ou se tem mais sono, o beijo que trocam já não é da saudade desesperada que levaram todo o dia a conter. É de quem está cansado, de quem precisa muito de receber mais mas já não tem o que dar. É de quem ama, mas só consegue gritar, chorar, magoar, porque sente que o amor nunca chega para tudo.
E é aí que eu nos vejo meu amor.
É na nossa varanda que espero pelo dia e desejo que o peso da noite esmague a falta que me fazes.
De que falar quando se sente a garganta seca de tanta parvoíce burguesa que nos aperta e nos encolhe nesta cidade-penico?
Arrogantes, cospem-nos de baixo. Como se o ódio instantâneo e crónico pela sinceridade seca que por vezes escapa à terrível barreira social que nos cose os lábios e coze a língua, não fosse apenas demonstrativo da insegurança com que se vive debaixo de tanta simpatia inútil.
E vive-se - porque não hás-de viver como os outros?
Ora, lá gosto dos outros.
As mulheres da noite já não têm medo da solidão
Começam a dormir quando se põe a noite e ao acordar só querem um corpo quente a seu lado se for para lhes oferecer um copo de vinho, um cigarro ou um beijo em silêncio.
As mulheres da noite trocam confidências entre sim até ao nascer do dia, ao seu amante, ou à falta dele, guardam um sussurro de quase-amor. Não tiram a maquilhagem porque o sol é demasiado cruel para quem vive de noite.
Não são putas. Não. Não vendem o corpo por dinheiro mas por prazer entre risinhos de amor-emprestado.
Em cada bar da cidade há uma dessas mulheres.
Talvez não consigam ir para casa enquanto o marido bêbado não dorme.
Talvez procurem pedaços de alguém que as faça sentir reais.
Talvez tentem conquistar a juventude entre cada bebida, só a lua é juiz.
Talvez tenham preferido a independência ao rebanho macho.
Talvez só queiram esquecer-se.
Conheci uma dessas mulheres do outro lado do balcão. O excesso de amor deixou-lhe cicatrizes por quase todo o corpo, o que não a impede de ser uma mulher bonita.
Valeu a pena, diz-me. Depois de doer ele abraçava-me, apertava-me toda nas suas mãos e eu sabia que todo o mundo acabava ali. Há quem me chame cobarde, fraca, machista, doente. Eu tenho pena de quem nunca sentiu que um corpo era pouco, comparado com a completude, o amor-total. Desde que o matei que não consigo voltar para casa de noite. Não é a solidão. É de mim que sinto falta.
Do Horror
Chateia-me visceralmente a necessidade que hoje existe de matar o teatro clássico em nome de uma evolução para o espaço conceptual, abstracto, livre, sem sentido.
Não me chateiam as performances que não querem dizer ou fazer sentir nada, não gosto, mas não chateiam porque não penso nelas. Agora, não venham é chamar-lhes teatro.
A não esquecer, para uma amante como eu, daquilo que é sentir o teatro:
- As coisas más, não passam a ser boas só porque são assumidas.
- Estar nu, já não é chocante, portanto, sem justificação torna-se apenas inútil e desnecessário, chato, aborrecido, repetitivo.
- O público não é uma opção, é fundamental ao Teatro. O não interesse em passar uma mensagem ou em fazê-lo sentir, é apenas egoísta e fácil.
- Os actores, adereços e cenários podem ser bonitos e glamorosos, porquê a necessidade actual em mostrar que o actor de teatro é aquele que se desprende dos bens materiais, da moda e do dinheiro? Ao querer afastar-se das imagens de divas do espectáculo, cria-se hoje a ideia de que para ser artista, é preciso não ter o mínimo de preocupação com a aparência. A diferença em vez de ser uma liberdade, torna-se hoje numa obrigação.
- A palavra, o texto, a personagem, não são apoios ao "teatrinho", são instrumentos do sentir, do mostrar, do representar que fazem do teatro o que é e sempre foi. São trabalho, ao contrário de um conjunto de performances de 10 minutos, que hoje em dia chega para construir uma peça.
- Shakespeare, Molière, Tchecov não são piadas antigas das quais os verdadeiros artistas actuais têm que se desprender. Como aliás devem desprender-se de tudo, visto que basta estarem em frente ao público em silêncio, nus talvez, para serem os melhores artistas do ano para os novos intelectuais, que percebem sempre toda e qualquer mensagem, mesmo que o artista não tenha sequer pensado numa.
O teatro vai muito para além de qualquer Praga, de qualquer um de nós, de qualquer tempo. Isto que agora se aprecia como espectáculo total, cheira apenas à explosão de fanicos interiores que todos nós às vezes temos, mas apenas alguns decidem que o resto do mundo terá interesse em apreciá-los.
É chato
Porra. Não percebo a necessidade ou motivação que leva pessoas prestadoras ou receptoras de serviços a eternamente tratarem-me por tu. Será pela acne juvenil, que não tenho, pelo mau português, que não falo, ou pela minha simpatia exagerada? De certeza!
Às vezes ainda escapo ao primeiro impacto, Bom dia, faça favor de entrar, mas logo a seguir levo com um esperas aí cinco minutinhos está bem?
Ora, das pessoas mais velhas, que por mais que eu cresça, continuarão naturalmente mais velhas que eu, não me choca. Agora ter que levar com o Bruno do McDonalds a querer saber se eu, amiga dele e dos seus 18 anos, quero mais alguma coisa, tenham paciência!
Mais crasso é quando as pessoas que estão comigo, da mesma idade e a fazer exactamente a mesma coisa, conseguem um você ou até o senhor e depois a cara sorridente volta-se para mim e pimba, e tu?
Compreendo que um bar não seja o melhor sítio para grandes exigências, malta jovem, copos e tal. Mas quando nas finanças tentas inscrever-te pela quarta vez no modelo 318 anexo B para poderes largar lá parte do ordenado todos os meses, ou em situações de extremo conforto como uma ida ao dentista ou ao ginecologista, convenhamos, é esperado o mínimo de sensibilidade e respeito. Mas não.
Outra coisa chata: o prestador ou receptor de serviços com mau hálito.
A seu tempo.
Gato um.
Sento-me. Refastelo-me. Perco-me.
Tento.
Um gato lambe-se vagarosamente como se toda a sua vida dependesse daquele banho.
Os olhos fechados de prazer a cada lambidela.
Felicidade às dentadas an?
E essa criatura de vida-novelo, redonda e interminável lambe-se a despropósito, pondo-nos na cara a vergonha da sua liberdade.
Falso, asseado, prestimoso e independente, senhor de quantos poetas já?
"És feliz porque és assim".
Também eu te invejo alguns dias. A capacidade do nada, do existir apenas, faz comichão a quem pensa.
Antes pulgas senhores, do que a certeza do que se é.
Majestic
É aquele ar triste, pensei. É aquele ar triste que me fascina.
A fatalidade marcada entre o fumo de um cigarro displicente, o batom meio morto, esbatido da noite, na noite. E fuma, como se lambesse de uma só vez toda a paisagem em redor, todo o público que não pediu, que já não lhe interessa, que já não vê. Não hoje. Hoje o mundo mede-se na distancia entre cinzeiro e lábios, entre cigarro e cigarro.
Pede mais um cosmopolitan e ri. Ri às gargalhadas como quem sabe que aquela bebida traz consigo a marca da futilidade americana, do esteve-na-moda-e-comigo-ainda-está, do gay da noite, que outros há?
E a cada gole é como se caísse, como se cada engolir de saliva alcoólica a empurrasse mais na vertigem. Lágrimas pretas dissolvem-se na gargalhada amarga, lágrimas-rimel, lágrimas-morte.
Os mais velhos olham indignados, como fazem sempre que pensam estar perante um confronto de gerações, e pensam sempre.
Os mais novos cobiçam, sentindo-se tão maiores do que mostra a sua sombra.
E a miúda-mulher só agora os vê, surpreende-se neste precipício-fotografia, já não cai.
Levanta-se e enche a sala, o vestido turquesa larga o perfume do fim do dia e desaparece para onde o sol se põe.
O vácuo da sala desaparece, volta o bulício.
A mim arde-me a pele, dói-me a certeza: era a puta mais bonita do mundo.