quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Runaway train

Estava bonita como só tu compreenderias.
O branco mármore da cara a desaparecer por entre cachos negros que tapavam os olhos apenas na medida certa.
Um véu que mantém entre si e o mundo. Sempre o teve.
As sardas de um Verão tardio desenhavam um caminho estelar por todo o corpo.
Sempre quase nu. Sempre completamente intransponível.
Dançava quase transparente entre a noite que é dela.
Ria entre cocktails branco-gin, branco-vodka, branco-md.
Foi dando e recebendo com o seu corpo aquilo que já não tinha para dar com o coração.
A outros corpos, sem pessoas.
Mas o olhar não o deu nunca.
O seu cheiro, ninguém o sabe.
Ao percorrer o caminho de volta à sua vida sentiu uma leveza de morte.
De vida.
Sentiu desprender-se da pele o que foi, o que não seria.
Sentiu que sem ti não valia a pena ter corpo, por mais quente que mantivesse a sua cama.
Deixou-se ir.
Foi.
Não sabe se volta.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Livre Mente

Podes tentar pensar noutra coisa, negar, rir-te disso, mas se a ideia já te passou na cabeça, então ficou lá.
E não há nada que a possa de lá tirar.
A culpa junta-se-lhe e moi moi moi.
Moi-te de mansinho.
Vai levar-te a fazer coisas disparatadas em relação a ti e aos outros.
Normalmente, atitudes como ir visitar a família, fazer exercício físico e comer mais saudavelmente são bons bálsamos nos primeiros dias.
Depois passas a odiar-te por teres feito tudo pelas razões erradas e começa tudo de novo.
É simples.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Átila?

A sensibilidade está na cabeça, não está no coração.
As lágrimas estão na cabeça, até o Diderot já tinha descoberto isso.
Vocês são uma cambada de autistas. Estou rodeado de autistas.
E grita e abana o mundo todo à sua volta com a fúria de quem ainda caça cachalotes num barquinho-quase-noz.
Apaixonou-se pela vida demasiado cedo, demasiado verdadeiramente.
E não a larga, por nada.
Tenta acordar-nos mas a moleza invade e domina as pessoas mais pequenas, menos vivas.
Ele não desiste nunca. De ninguém.
Tem nele o Teatro e há-de pô-lo em nós, nem que seja a bofetadas.
Só mexes um músculo que seja se sentires alguma coisa que te leve a mexer. Senão, é merda. Pívias.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Marias somos todos

Em todas as mesas, nuvens de fumo adolescente.
Juntam-se aqui porque precisam de um sítio para fumar, acho eu.
Pedem uma cerveja para cada três, juram ter já 16 anos e depois é fumar uns atrás dos outros com caretas e trejeitos próprios de quem cumpre expediente.
Quem à noite ainda tiver a roupa a cheirar a tabaco, ganha. Quem conseguir fumar Gigante, ganha. Quem aguentar o maior bafo, também.
Mas não são desafios fáceis, não se pense.
A adolescência é lixada e é nestas pequenas batalhas diárias que se estabelece o mais forte.
Não é o fumar ou não fumar. São talvez as intenções por detrás dessa decisão, se as há, porquê.
Nada disto pretende ser moralista ou condescendente.
Quem não continuar ainda hoje a conquistar momentos de segurança através de murros na mesa, que atire a primeira pedra.

domingo, 6 de novembro de 2011

Crime. E castigo?

Os pequenos grandes crimes que cometemos são absolvidos unicamente pela nossa consciência.
Se a consciência nos culpar, prender ou asfixiar, não há liberdade que nos valha.
Seremos o pior dos assassinos desde que acordamos até tentarmos dormir.
E não dormiremos e não comeremos, apenas sobreviveremos em corpo.
Por outro lado, se a consciência não pesar, não há prisão que nos faça arrepender.
Num período de 5 minutos, 5 anos ou 5 décadas, a verdadeira absolvição só a teremos quando nos perdoarmos.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Peso Borboleta

Hoje tinha morto três pessoas. Um casal e a filha.
Não sabia porquê, já não perguntava. O sentimento de justiça de que inicialmente precisava para não parar no momento errado ou para não se rebentar a si, já tinha amolecido nele. Era como uma pequena borboleta que enxotava do ombro com um simples estalar de dedos, quando dava por ela.
Não era por já não pensar neles como pessoas. Mas agora pensava sobretudo que eram o seu apartamento, o seu carro, as mamas da sua mulher, a velhice de ambos e acima de tudo o ensino especial do filho.
Mas havia dias em que o tempo passava quase a parar, como se a consciência estivesse a tentar sobreviver, e hoje tinha sido assim.
Mal entrou na sala pela janela aberta, soube que não estava ali sozinho, um homem roncava no sofá. Camisola de alças, cuecas e meias apenas. E barriga. Uma barriga imensa que conseguia demonstrar 40 anos de vida só com o seu movimento enorme e perpétuo. Acabou como tinha vivido. Inócuo. Uma pequena brisa morna e indiferente à espera do fim.
A mulher foi diferente.
Gritou, tremeu, pediu pela filha e descreveu toda a sua família, enquanto ele olhava à porta do quarto sem conseguir mexer-se ou desviar a arma. Não era arrependimento, era o tempo que teimava em quase parar. Quando finalmente fez o que fora ali fazer, notou que o corpo continuava a respirar tombado na cama. A mãe tinha escondido a filha com o seu corpo na esperança de a fazer viver.
A miúda, entre lágrimas, ranho e olhos muito abertos, não soltava um único som. Era como se todo aquele desamparo tivesse feito sempre parte da sua pequena vida. Ele puxou-a para si, pediu desculpa em silêncio e abraçou-a até ela parar de soluçar. Devagar beijou-lhe os cabelos e só quando ela lhe largou a mão conseguiu disparar.
Passou o resto da noite a sacudir e a esfregar os próprios ombros, mas nem por isso conseguiu dormir.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Uma vida inteira

Perdemo-nos entre duas estações de comboio.
Quando largámos as mãos não sei se ainda algum de nós acreditava que nos voltaríamos a ver.
Daqui a 1 ano, dissemos.
E quando me voltei não foi para não chorar mas para me impedir de ficar.
A vida.
Há sempre a vida para resolver antes de um pequeno grande amor.



Look how they shine for you

Se morreste foi porque quiseste.
Não posso nem vou culpar-me por não ter feito nada quando julguei ouvir o grito de ajuda que não deste. Talvez vá. Mas eu já controlo bastante bem as minhas psicoses para saber quando são só isso mesmo. Escolheste. Tinhas esse direito. Não sou daqueles moralistas que acha que nem da nossa própria vida podemos dispor. Podemos. Já que não a pedimos e temos de levar com ela, nada mais justo do que dispor dela. Para nosso prazer ou qualquer outro sentimento. Não sei se vais desaparecer. De mim, digo. Mas sei que a porra do vazio que decidiste impor-me vai pesar-me muito mais para além da tua cara na minha cabeça. Que fazer com isso? Estou farta de poesia deprimente, de intelectualidade deprimente, de artistas deprimentes. Quando a coisa existe, deixa logo de ser atraente. A morte, digo. A destruição. Olha a Amy.
Corpos intoxicados fazem poesia até de manhã.
Sou um deles. De entre eles.
Sou parte desta canção e desta madeira e deste cheiro.
Sou livre dentro deste espaço tão pequeno.
Deve ser por isso que as pessoas aqui se abraçam choram dançam riem vivem.
Aqui podem ser.