quarta-feira, 26 de outubro de 2011

sine qua non

Espero que compense.
Espero que de cada vez que dês um passo atrás, quando de frente para o abismo, não fiques a pensar no que poderia ter sido arriscar. Espero que de cada vez que penses, não te arrependas de não sentir. Espero que de cada vez que leves a vida demasiado a sério, não deixes de respirar quando vires o grande que são as coisas pequenas. Espero que quando olhares alguém nos olhos, não percas o que fica para além de ti e do teu ego e do que esperas de ti, ou podes continuar pequeno. Espero que quando deres um abraço sem peso, não te arrependas de não te ultrapassar e sentir que há outra pessoa. Em ti.
Na verdade não.
Não espero nada disto.
Espero que tenhas tomates.
Espero que te levantes para a vida porque ela não te vai poupar qualquer murro na tromba.

domingo, 23 de outubro de 2011

I-n-s-ó-n-i-a

Estou com problemas mentais. Mais. Não consigo dormir há dias e sei desde que me levantei que não vou dormir esta noite. Quando vejo no espelho os olhos raiados, sorrio, sei que ao quinto dia o cérebro desiste e o corpo ganha. Só faltam dois. Durante estes dias, pensar mata-me aos bocadinhos. O corpo levita e já não sei distinguir as notícias do que já aconteceu. As pessoas são só caras meio parvas que me fazem rir. Os cafés são copos de água. Começo a ter ideias estúpidas como o natal valer a pena se for com cobertores à lareira, apesar da família. Ou que bom bom, é prender os lençois ao longo de toda a cama. Nestes dias há sempre uma vitrine entre mim e o mundo. E ele passa. E só quando me grita eu percebo que também devo existir. Normalmente sou eu que grito, para ter a certeza que o mundo existe. A realidade é tão.
É tão plástica e cinematográfica.

disse eu

A vida é demasiado pequena para darmos tanta atenção às coisas grandes.
Ou só.
As minhas mãos deixaram de caber nas tuas mãos no dia em que deixaste de sussurrar-me arrepios ao ouvido.
É simples, é frio, é vodka nas noites brancas que já nem são mortas.
Foi escuro e vácuo, mas depois passas a poder conhecer-te de olhos fechados.
Cair nem sempre é mau, olha a Alice.

disse ele

Tenho hoje uma fome que não me larga.
Uma dessas fomes que nos come tudo por dentro até sermos só o que não podemos perder.
Hoje o que eu não posso perder és tu.
Trago-te agarrada a cada bocado do meu corpo, a cada respiração.
Se olho para as minhas mãos é nas tuas que as vejo, é no teu corpo, na falta que ele me faz, no nada com que fiquei.
Quando te vejo a ti, o teu sorriso rasga-me a pele por já não ser o meu.
Hoje tenho uma fome que não me larga.
É talvez a minha vida sem ti.


terça-feira, 4 de outubro de 2011

V.

A v. chorou baixinho hoje de manhã.
Depois de voltar ao seu controle frio disse-me que ia sair de casa porque já não gostava de mim.
Acabou, só isso, já não sinto que te pertença, já não sinto nada, já não gosto de ti. Desculpa.
E foi.
Deu-me o abraço que sabia que eu precisava, limpou-me as lágrimas que viriam e foi.
Senti a certeza de que tinha mesmo acabado.
A v. costumava esconder o dinheiro ou coisas que lhe davam em todas as caixinhas que encontrava. Precisava de preencher todos os vazios.
Eu acho que ela nunca deixou de sentir-se sozinha.
A minha v. saiu da nossa vida apenas com uma mala à tiracolo e o saquinho da erva.
Deixou-me com tudo o resto, como se houvesse mais alguma coisa depois dela.
A minha v. tomou uma quantidade absurda de comprimidos e meteu-se no carro, a conduzir devagar. Tinha todo o tempo do mundo, como quando se é jovem, como nós somos.
Eu sabia a certeza de que tinha mesmo acabado.

Corpo etílico

As ressacas têm qualquer coisa de poético.
É por se ter só um bocado de consciência alerta e dentro de um vazio que embacia.
Muito facilmente o mundo faz rir ou chorar, tem-se uma sensibilidade de quem não pensa, só sente.

Tudo.
Um luxo para quem não sonha.

Quase ao fim da tarde, que é a nossa manhã, solta-se o mínimo de energia e parece mesmo, cá dentro, que o tempo não vai passar. Vamos poder estar no sofá ou neste eterno Verão infinitamente.
Queremos isso.
Mas o sol põe-se, mesmo assim.

Quase ao fim da noite, que é o nosso dia, vem um sabor a culpa e a dormência passa a ser só deprimente. É a vida a recomeçar.
Amanhã.
Hoje, respirar foi tudo o que conseguimos fazer.