quarta-feira, 7 de setembro de 2011

por encomenda

Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Estava há mais de uma hora no banco da igreja a tentar concentrar-me em quem morria, chorar por ele. Mas só o meu corpo tentava enganá-los. Dentro da cabeça um cão a morder-me o cérebro. Não consigo largar tudo o que foi deixado pra viver. Não é justo, este lado. Com os olhos raiados e a cabeça a sangrar, saio aos tropeções. As lajes frias, os olhos velhos de censura agarram-me a roupa, descalçam-me os pés. Sou só um farrapo sem sombra quando chego ao sol. De dentro, ainda um grito tenta levar-me pelos cabelos mas fujo, corro pra dentro de árvores de betão, rato que sou, que sempre fui, só paro na noite. Enrosco-me nela. Quando consigo mexer-me sei que é já outro dia. Dou-me ao sol mais uma vez, peço que me leve, mas este peso de morte não me deixa descolar do chão. Arrasto-me por entre rostos inexistentes cheios de vidas que passam só por passar, que já nem cansam de tão entranhadas que estão nas papadas debaixo do queixo, em olheiras cheias de olhos, em pernas que conduzem troncos amorfos entre cada toque do despertador. É num desses corpos que esbarro, que me arranca a mim. Uns minutos, a eternidade. Pela altura do nariz e a posição dos ombros e do chapéu, este acha que é livre. Sorrio-lhe. Cá dentro, gritos de desespero que já não seguro.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Gritos de desespero que já não seguro.
Se tivesse super-poderes matava todas as pessoas demasiado burras, dizia o meu irmãozinho antes de ser morto pela estupidez humana.
Oh sóce, arranja lá um cigarrinho.
Quando olho para a cara à minha frente já só o vejo a ele, frio, quieto, sozinho para sempre. Já não és tu.

Rebento-lhe os miolos e não sei qual de nós morreu primeiro.

Sem comentários:

Enviar um comentário