terça-feira, 20 de setembro de 2011

Do-lo-res

I. É uma pequena diva. Adora que gostem de si e ainda gosta mais se não gostam.
Às vezes dou por mim enternecido a olhá-la enquanto corre de um lado para o outro, como se saltasse de flor em flor. Apanha-me em flagrante e solta um risinho. Sabe perfeitamente que estou a olhar para cada parte do seu corpo, mesmo assim finge corar, como uma virgenzinha envergonhada.
Já a apanhei a espreitar-me à noite. Eu finjo que estou a dormir e ela vai pé ante pé, personagem posta, criando todo um filme mudo entre os nossos corpos. Não sei se ela sabe que a vejo. Acho que sabe e que gosta. E aí sim, sei-a a corar, mesmo às escuras.


II. Não me atrevo a tocar-lhe.
Não me atrevo sequer a abrir os olhos, não vá o pudor levá-la daqui.
Mas ela vai-se sempre. Demora apenas o tempo suficiente para que o cheiro de menina-mulher se agarre às minhas roupas e aos meus sonhos brancos.
Ela sabe que me deve respeito e eu muitas vezes aproveito-me disso para a espicaçar. Chateio-a por incorrecções sociais ou gramaticais, mostro-lhe que ainda não é uma senhora. Divirto-me depois a ver a sua aflição enquanto faz por travar o beicinho infantil, sabe que não há o que discutir quando o único argumento é a autoridade. Sei que me vai odiar durante uns dias mas a sua impertinência e o nariz arrebitado fazem-na abanar o vestido como se já tivesse crescido.
Eu não quero que ela cresça e não a quero para mim.
Quero que fique para sempre entre a inocência e o ser, com a liberdade que só têm os alienados e quem ainda mal começou a viver.
Pergunto-me se ela já sabe que o desejo tem outro nome: pecado.

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